Bacanal, de Manuel Bandeira (Do livro “Carnaval” de 1919).
Quero beber! cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco…
Evoé Baco!
Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada,
A gargalhar em doudo assomo…
Evoé Momo!
Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos…
Evoé Vênus!
Se perguntarem: Que mais queres,
Além de versos e mulheres?…
– Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!…
Evoé Baco!
O alfange rútilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que eu não domo!…
Evoé Momo!
A Lira etérea, a
grande Lira!…
Por que eu extático desfira
Em seu louvor versos obscenos,
Evoé Vênus!
Um homem e o seu carnaval, de Carlos Drummond de Andrade (Do livro "Brejo das Almas" de 1934).
Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido.
Sem olhos, sem boca
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.
O pandeiro bate
é dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.
Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando os corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.
Deus me abandonou
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter
curvas curvas curvas
bandeiras de préstitos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente.
🎭
Soneto de Carnaval, de Vinícius de Moraes
Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.
Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado é uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.
E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim
De toda a vida e
todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.
🎭
Carnaval, de Cecília Meireles
Com os teus dedos feitos de tempo silencioso,
Modela a minha mascara, modela-a…
E veste-me essas roupas encantadas
Com que tu mesmo te escondes, ó oculto!
Põe nos meus lábios essa voz
Que só constrói perguntas,
E, à aparência com que me encobrires,
Dá um nome rápido, que se possa logo esquecer…
Eu irei pelas tuas ruas,
Cantando e dançando…
E lá, onde ninguém se reconhece,
Ninguém saberá quem sou,
À luz do teu Carnaval…
Modela a minha máscara!
Veste-me essas roupas!
Mas deixa na minha
voz a eternidade
Dos teus dedos de silencioso tempo…
Mas deixa nas minhas roupas a saudade da tua forma…
E põe na minha dança o teu ritmo,
Para me conduzir…
🎭
Aula de carnaval, de Ricardo Azevedo, do livro "Aula de Carnaval e Outros Poemas".
Na
aula de carnaval
A
ordem é ter alegria
A
norma é rir todo dia
A
regra é festa e folia
Na aula de carnaval
Não
tem palco nem plateia
Todo
mundo brinca junto
Que
ser brincante é a ideia
Na
aula de carnaval
O
nobre vira mendigo
O
pobre nada em dinheiro
Rico
e pobre é tudo amigo
Na
aula de carnaval
Homem
usa sutiã
Mulher
tem bigode e barba
Criança
vira anciã
Na aula de carnaval
Marmanjo
chupa chupeta
Sai
de fralda e mamadeira
Com
gravata borboleta
Na
aula de carnaval
O
velho vira criança
Menino sai de bengala
Dentadura
e aliança
Na
aula de carnaval
A
invenção é um estudo
Criação
vira exercício
Improviso
é quase tudo
Na aula de carnaval
Idade fica de lado
Tanto faz ser velho ou moço
O
que importa é o rebolado
Na
aula de carnaval
Quem
está por cima desce
Quem
está por baixo cresce
Quem
está de fora aparece
Na
aula de carnaval
Qualquer
um é sempre o tal
Cada
qual tem seu espaço
Todo
mundo é o maioral
Na
aula de carnaval
Esperança
é sempre à beça
Fim
do mundo?
Isso
é conversa!
Tudo
acaba e recomeça
Na
aula de carnaval
A folia é uma pesquisa
A
fantasia é uma prova
E
a alegria organiza
Na
aula de carnaval
Ninguém
vive numa ilha
Toda
gente é como irmão
E o mundo vira família
Na
aula de carnaval
A
poesia é coisa séria
Liberdade
é documento
E
o sonho é sempre matéria
🎭
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