8 de fevereiro de 2024

Poesias de Carnaval

Que tal cair na folia dos versos às vésperas do carnaval? Entrem nesse cordão com alguns dos escritores da nossa literatura:

🎭🎭🎭

Bacanal, de Manuel Bandeira (Do livro “Carnaval” de 1919).

Quero beber! cantar asneiras

No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco…
Evoé Baco!

Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada,
A gargalhar em doudo assomo…
Evoé Momo!

Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos…
Evoé Vênus!

Se perguntarem: Que mais queres,
Além de versos e mulheres?…
– Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!…
Evoé Baco!

O alfange rútilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que eu não domo!…
Evoé Momo!

A Lira etérea, a grande Lira!…
Por que eu extático desfira
Em seu louvor versos obscenos,
Evoé Vênus!

🎭

Um homem e o seu carnaval, de Carlos Drummond de Andrade (Do livro "Brejo das Almas" de 1934).

 

Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido.
Sem olhos, sem boca
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.

O pandeiro bate
é dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.
Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando os corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.

Deus me abandonou
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter
curvas curvas curvas
bandeiras de préstitos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente.

🎭

Soneto de Carnaval, de Vinícius de Moraes

 

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado é uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.

 🎭

Carnaval, de Cecília Meireles

Com os teus dedos feitos de tempo silencioso,
Modela a minha mascara, modela-a…
E veste-me essas roupas encantadas
Com que tu mesmo te escondes, ó oculto!

Põe nos meus lábios essa voz
Que só constrói perguntas,
E, à aparência com que me encobrires,
Dá um nome rápido, que se possa logo esquecer…

Eu irei pelas tuas ruas,
Cantando e dançando…
E lá, onde ninguém se reconhece,
Ninguém saberá quem sou,
À luz do teu Carnaval…

Modela a minha máscara!
Veste-me essas roupas!

Mas deixa na minha voz a eternidade
Dos teus dedos de silencioso tempo…
Mas deixa nas minhas roupas a saudade da tua forma…
E põe na minha dança o teu ritmo,
Para me conduzir…

 🎭

Aula de carnaval, de Ricardo Azevedo, do livro "Aula de Carnaval e Outros Poemas".

 

Na aula de carnaval

A ordem é ter alegria

A norma é rir todo dia

A regra é festa e folia

 Na aula de carnaval

Não tem palco nem plateia

Todo mundo brinca junto

Que ser brincante é a ideia

Na aula de carnaval

O nobre vira mendigo

O pobre nada em dinheiro

Rico e pobre é tudo amigo

Na aula de carnaval

Homem usa sutiã

Mulher tem bigode e barba

Criança vira anciã

 Na aula de carnaval

Marmanjo chupa chupeta

Sai de fralda e mamadeira

Com gravata borboleta

Na aula de carnaval

O velho vira criança

 Menino sai de bengala

Dentadura e aliança

Na aula de carnaval

A invenção é um estudo

Criação vira exercício

Improviso é quase tudo

 Na aula de carnaval

 Idade fica de lado

 Tanto faz ser velho ou moço

O que importa é o rebolado

Na aula de carnaval

Quem está por cima desce

Quem está por baixo cresce

Quem está de fora aparece

Na aula de carnaval

Qualquer um é sempre o tal

Cada qual tem seu espaço

Todo mundo é o maioral

Na aula de carnaval

Esperança é sempre à beça

Fim do mundo?

Isso é conversa!

Tudo acaba e recomeça

Na aula de carnaval

 A folia é uma pesquisa

A fantasia é uma prova

E a alegria organiza

Na aula de carnaval

Ninguém vive numa ilha

Toda gente é como irmão

E o mundo vira família

Na aula de carnaval

A poesia é coisa séria

Liberdade é documento

E o sonho é sempre matéria

🎭



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