19 de agosto de 2017

Drummond, eterno!


"E como ficou chato ser moderno. 

                                                                                        Agora serei eterno."


Há 30 anos, em 17 de agosto de 1987, Carlos Drummond de Andrade se tornaria, de fato, eterno. Ele partiu 12 dias após o falecimento de sua única e tão amada filha, Maria Julieta. 
Drummond, poeta, cronista, contista, pensador, itabirano, carioca, humano... são tantas as faces que não cabem em um espaço, em um poema, em um universo. 


Poeta querido, em homenagem, o meu canto de amor eterno:

O Amor Bate na Aorta

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for, -
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que corre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...


(Carlos Drummond de Andrade)


Em 31 de outubro, no Dia D, será lançado "Uma Forma de Saudade - Páginas de Diário", pela Companhia das Letras. Nessa obra estarão trechos dos diários do escritor, herdados pelo neto Pedro. Segundo o caderno de cultura do Estadão, esse livro terá tiragem limitada por conta do projeto gráfico especial. Uma preciosa homenagem!


13 de agosto de 2017

Quem quiser que conte outra...

Era uma vez... 
Ouvi muitas e muitas histórias antes de dormir contadas pela minha avó. Ela tinha um vasto repertório, repleto de príncipes, princesas, bruxas, castelos e tantos outros personagens nas mais diversas aventuras. Isso marcou minha memória afetiva-leitora e mesmo quando eu já sabia ler muito bem, já mais "grandinha", nunca desperdicei desse prazer.
Através da voz de um adulto, uma criança tem o seu primeiro contato oralmente com um texto e isso é  muito importante para a formação de qualquer criança. Além disso, abre caminhos para aprender a ser um leitor, descobrir e compreender o mundo.
Como se conta uma história? Ah, o primeiro passo é saber como se faz. Não basta pegar um livro aleatoriamente sem saber do enredo, personagens, ritmo da história. A dica é: leia antes, familiarize-se com a leitura, perceba bem cada palavra, sinta cada frase, o ritmo, a pausa... A leitura tem que ter a emoção de quem lê,  para passar esse encantamento a quem ouve. Aproveitar o texto, curtir o momento, envolver... esse é o pulo do gato: envolver e deixar-se envolver pelo texto.
Para quem tem mais habilidade e não precisa do auxílio de um livro, a narrativa tem que motivar a atenção e despertar admiração. O contador tem que conduzir a situação e envolver o ouvinte com uma boa trama, tem que criar um clima de envolvimento e de encanto. Para isso, precisa saber criar pausas, intervalos, respeitar o tempo para o imaginário do ouvinte.
Outra dica muito importante é saber usar as possibilidades da voz: sussurrar, levantar a voz, falar mansinho, usar ruídos, espantos etc, tudo isso dentro do contexto do que se está narrando. 
Contar histórias não é só para crianças que não sabem ler, com as crianças maiores, o ouvir estimula o desenhar, o musicar, o teatralizar, o imaginar, o escrever. Já com os jovens, a leitura compartilhada pode ser uma maneira divertida de estimular a criatividade: eles podem criar novos personagens, um novo final, uma nova trama dentro da mesma história. 
Ler, ler, contar, contar... são tantas as possibilidades de narrar que nem nos damos conta que essa tradição é um costume popular milenar.
E quem quiser que conte outra...