30 de março de 2024

Para fechar com poesia...

As águas de março costumam fechar o verão, mas para lembrar que o mês também é dedicado às mulheres (Dia Internacional da Mulher em 8 de março) e que o elemento água também simboliza sensibilidade, emoção e poder feminino:  tudo isso junto e misturado. Nada mais propício que finalizar março com um poema e dedicado à mulher. 

Bem-vindo, outono! 

E viva, sempre, a mulher!


Poema Dia da Mulher

Um só dia
Um só dia é muito pouco para celebrar a Mulher
Um só poema
Uma rosa
Uma homenagem qualquer
Palavras são muito pouco
Não importa o que eu disser
E mesmo assim
Dizer é o meu dever
É dever da humanidade reconhecer que a mulher
É força
É dignidade
É o que é e o que quer ser
E ela quer ser liberdade
Quer ser mãe
Quer ser artista
Ser sozinha, aventureira
Empresária, agricultora
Ser juíza, sacoleira
Quer ser talvez Bossa Nova
Mas também quer ser Funkeira
Quer ser simples, popular
Quer ser a joia mais cara
Quer ser muitas e ser plural
E ainda assim, quer ser rara
Quer ser livre, corpo e mente
Quer ser e é diferente
E a diferença é clara
A diferença é a força
A garra, a resistência
A coragem, a sabedoria
A pressa e a paciência
É tão claro e evidente
Ser igual e diferente
Faz parte da sua essência


(Bráulio Bessa)

 



29 de fevereiro de 2024

Carioca, por Fernando Sabino

 CARIOCA 

Carioca, como se sabe, é um estado de espírito: o de alguém que, tendo nascido em qualquer parte do Brasil (ou do mundo) mora no Rio de Janeiro e enche de vida as ruas da cidade.

A começar pelos que fazem a melhor parte sua população, a gente do povo: porteiros, garçons, cabineiros, operários, mensageiros, sambistas, favelados. Ou simplesmente os que as notícias de jornal chamam populares: esses que se detêm horas e horas na rua, como se não tivessem mais o que fazer, apreciando um incidente qualquer, um camelô exibindo no chão a sua mercadoria, um propagandista fazendo mágicas. A improvisação é o seu forte, e irresistível a inclinação para fazer o que bem entende, na convicção de que no fim da certo — se não deu é porque não chegou ao fim.

E contrariando todas as leis da ciência e as previsões históricas, acaba dando certo mesmo porque, como afirma ele, Deus é brasileiro — e sendo assim, muito possivelmente carioca.

Pois também sou filho de Deus — ele não se cansa de repetir, reivindicando um direito qualquer. Que pode ser pura e simplesmente o de dar um jeitinho, descobrir um ‘macete’, arranjar lugar para mais um.
Toda relação começa por ser pessoal, e nos melhores termos de camaradagem. Para conseguir alguma coisa em algum lugar conhece sempre alguém que trabalha lá: procure o Juca no primeiro andar, ou o Nonô, no Gabinete, diga que fui eu que mandei. Até os porteiros, serventes ou ascensoristas têm prestigio e servem de acesso aos figurões. Todo mundo é ‘meu chapa’, ‘velhinho’, ‘nossa amizade’. Todos se tratam pelo nome de batismo a partir do primeiro encontro. E se tornam amigos de infância a partir do segundo, com tapas nas costas e abraços efusivos em plena rua, para celebrar este extraordinário acontecimento que é o de se terem encontrado.

A maioria dos encontros é casual, e em geral em plena rua — pois ninguém resiste às ruas do Rio: a gente se vê por ai, quando puder eu apareço. Os compromissos de hora marcada são mera formalidade de boa educação, da boca para fora. Mesmo estabelecido, de pedra e cal, há uma sutileza qualquer na conversa, que escapa aos ouvidos incautos do estrangeiro, indicando se são ou não para valer. Na linguagem do carioca, ‘pois não’ quer dizer ‘sim’, ‘pois sim’ quer dizer ‘não’; ‘com certeza’, ‘certamente’, ‘sem dúvida’ são afirmações categóricas que em geral significam apenas uma possibilidade.

Encontrando-se ou se desencontrando, como se mexem! As ruas do Rio, mesmo em dias comuns, vivem cheias como em festejos contínuos. Todos andam de um lado para outro, a passeio, sem parecer que estejam indo especialmente a lugar nenhum. As esquinas, as portas dos botequins e casas de comércio, os shopping-centers cada vez mais numerosos, todos os lugares, mesmo de simples passagem, são obstruídos por aglomerações de pessoas a conversar em grande animação.

E como conversam! Falam, gesticulam, cutucam-se mutuamente, contam anedotas, riem, calam-se para ver passar uma bela mulher, dirigem-lhe galanteios amáveis, voltam a conversar. Ninguém parece estar ouvindo ninguém, todos falam ao mesmo tempo, numa seqüência de gargalhadas. Em meio à conversa, um se despede em largos gestos e se atira no ônibus que se detém para ele fora do ponto, a caminho da Zona Sul.

Copacabana, Arpoador, Ipanema, Leblon — praias cheias de cariocas, como se todos os dias da semana fossem domingos ou feriados. Espalhados na areia, ou andando no calçadão, se misturam jovens e velhos de calção, mulheres em sumárias roupas de banho, gente bonita ou feia, alta ou baixa, magra ou gorda, na mais surpreendente exibição de naturalidade em relação ao próprio corpo de que é capaz o ser humano.

Do Leblon em diante, convém por hoje não se aventurar: São Conrado, Barra, Jacarepaguá, Floresta da Tijuca — o dia não terá mais fim. Em vez disso, se o visitante, depois de se deslumbrar com a Lagoa Rodrigo de Freitas, dobrar uma esquina do Jardim Botânico, Botafogo ou Flamengo, de repente se verá numa rua sossegada, ladeira acima, com casarões antigos cobertos de azulejos que o atiram aos tempos coloniais. Laranjeiras, Cosme Velho — uma viela tortuosa o conduz a um recôndito Largo do Boticário, de singela beleza arquitetônica, que faz lembrar Florença.

Se o visitante subir esta outra rua, logo se verá cercado de verde por todos os lados, à sombra de frondosas árvores onde cantam passarinhos e esvoaçam borboletas — podendo até mesmo surpreender num galho as macaquices de um sagüi.

E do alto do morro, verá a paisagem abrir-se a seus pés, exibindo lá embaixo a cidade inteira, do Corcovado ao Pão de Açúcar, entre montanhas e o mar. Depois de admirá-la, sentirá vontade de integrar-se a ela, regressar ao bulício das ruas e ao excitante convívio dos cariocas.

A partir deste instante estará correndo sério risco de ficar no Rio para sempre e se tomar carioca também.

🌞

Fernando Sabino (1923-2004) escritor e jornalista. Crônica de “Livro Aberto”, da Editora Record, lançado em 2001.




28 de fevereiro de 2024

Gatos na Literatura

Inspirada no Dia Mundial dos Gatos, celebrado em 17 de fevereiro, pensei em todos os gatos (e são muitos) que habitam no universo da literatura. Entre alguns "famosos" estão: o gato Plutão, do conto "O Gato Preto", de Edgar Allan Poe; "O Gato de Botas", de Charles Perrault; o gato Cheshire, do clássico "Alice no País das Maravilhas", de Lewis Carroll; o gato Bichento, da personagem Herminione, da Saga "Harry Potter"; Garfield, de Jim Davis entre outros...

Muitos escritores e poetas já se inspiraram em gatos para compor suas obras, como Charles Baudelaire, Pablo Neruda, Jorge Amado, Ferreira Gullar, Mia Couto  -  esses que lembrei, mas há muito mais.

Segundo alguns escritores, os gatos são introspectivos e amigos do silêncio, por isso facilitam o processo de criação por conta de seu olhar profundo e modos discretos. 

Selecionei alguns poemas com o tema para vocês também se inspirarem:

Ode ao gato (Pablo Neruda)

Os animais foram
imperfeitos,
compridos  de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, vôo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.

Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa só
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa
de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogara as moedas da noite

Oh pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na imterpérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundissimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insignia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertence
ao habitante menos misterioso,
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gatos, companheiros,
colegas,
díscipulos ou amigos
do seu gato.

Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalcullável,
a botânica,
o gineceu com os seus extrávios,
o pôr e o mesnos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos tem números de ouro.

(Navegaciones y Regresos, 1959)

🐱🐾


O gato tranquilo (Cassiano Ricardo)


Ei-lo, quieto, a cismar, como em grave sigilo,

vendo tudo através a cor verde dos olhos,
onça que não cresceu, hoje é um gato tranquilo.
A sua vida é um "manso lago", sem escolhos...

Não ama a lua, nem telhado a velho estilo.
De uma rica almofada entre os suaves refolhos,
prefere ronronar, em gracioso cochilo,
vendo tudo através a cor verde dos olhos.

Poderia ser mau, fosforescente espanto,
pequenino terror dos pássaros; no entanto,
se fez um professor de silêncio e virtude.

Gato que sonha assim, se algum dia o entenderdes,
vereis quanto é feliz uma alma que se ilude,
e olha a vida através a cor de uns olhos verdes.

 🐱🐾                     

 

Gato ao crepúsculo (Millôr Fernandes)

Poeminha de louvor ao pior inimigo do cão

 

Gato manso, branco,

Vadia pela casa,
Sensual, silencioso, sem função.

Gato raro, amarelado,
Feroz se o irritam,
Suficiente na caça à alimentação.

Gato preto, pressago,
Surgindo inesperado
Das esquinas da superstição.

Cai o sol sobre o mar.

E nas sombras de mais uma noite,
Enquanto no céu os aviões
Acendem experimentalmente suas luzes verde-vermelho-verde,
Terminam as diferenças raciais.

Da janela da tarde olho os banhistas tardos
Enquanto, junto ao muro do quintal,
Os gatos todos vão ficando pardos.

 🐱🐾


Poemas para os gatos (Artur da Távola)

 

Silêncio,
eis a tarefa
de todos os gatos.
Poucos sabem perscrutar
(talvez ninguém em plenitude)
o grau de solidão necessária
ao saber auto suficiente
para ser felino e doméstico
em sua tarefa de monge
guardião do inextricável
em quem o homem não percebe
a metafísica natural,
recolhimento
saber
sensualidade
e aceitação.

              
                                                  

15 de fevereiro de 2024

Letra de samba é poesia?

A poesia do nosso poeta da música brasileira, Martinho da Vila. E vocês, concordam que a poesia pode estar em tudo, até em uma letra de samba?

🎭🎉🎊

Para tudo se acabar na quarta-feira


A grande paixão, que foi inspiração
Do poeta é o enredo
Que emociona a velha guarda
Lá na comissão de frente como a diretoria

Glória a quem trabalha o ano inteiro em mutirão
São escultores, são pintores, bordadeiras
São carpinteiros, vidraceiros, costureiras
Figurinistas, desenhista e artesão
Gente empenhada em construir a ilusão

E que tem sonhos...
E que tem sonhos como a velha baiana
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor do mestre sala
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor de um mestre sala

O sambista é um artista
E o nosso Tom é o director de harmonia
Os foliões são embalados
Pelo pessoal da bateria
Sonho de rei, de pirata e jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira

Mas a quaresma lá no morro é colorida
Com fantasias já usadas na avenida
Que são cortinas e são bandeiras
Razão pra vida tão real da quarta-feira
É por isso que eu canto...

A grande paixão, que foi inspiração
Do poeta é o enredo
Que emociona a velha guarda
Lá na comissão de frente, como a diretoria

Glória a quem trabalha o ano inteiro em mutirão
São escultores, são pintores, bordadeiras
São carpinteiros, vidraceiros, costureiras
Figurinistas, desenhista e artesão
Gente empenhada em construir a ilusão

E que tem sonhos...
E que tem sonhos como a velha baiana
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor do mestre sala
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor do mestre sala

E o sambista...
O sambista é um artista
E o nosso Tom é o director de harmonia
Os foliões são embalados
Pelo pessoal da bateria
Sonho de rei, de pirata e jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira

Mas a quaresma lá no morro é colorida
Com fantasias já usadas na avenida
Que são cortinas e são bandeiras
Razão pra vida tão real da quarta-feira
É por isso que eu canto...

A grande paixão, que foi inspiração
Do poeta é o enredo
Que emociona a velha guarda
Lá na comissão de frente como a diretoria

Glória a quem trabalha o ano inteiro em mutirão
São escultores, são pintores, bordadeiras
São carpinteiros, vidraceiros, costureiras
Figurinistas, desenhista e artesão
Gente empenhada em construir a ilusão

E que tem sonhos...
E que tem sonhos como a velha baiana
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor de um mestre sala
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor do mestre sala

Todos os concorrentes são importantes numa escola de samba
Destaques, empurradores, principalmente a ala de compositores
Dulcinéia e Peti, nossas primeiras baianas
Raquel Amaral, Jandira e Angelica
Empunharam nossa bandeira

Composição de 1997, de Martinho Jose Ferreira.



8 de fevereiro de 2024

Poesia (autoral) de Carnaval

Como Serpentina

Virei Serpentina

Enrosquei na fantasia

Brinquei feito menina

Fui meio bailarina

Rodopiei rodopiei

Cai e levantei poeira

Esqueci da quarta-feira

Para me desmanchar na avenida...


🎭Autoria de Sandra Coimbra, criadora deste blog e poetisa nas horas livres e inspiradas.


Poesias de Carnaval

Que tal cair na folia dos versos às vésperas do carnaval? Entrem nesse cordão com alguns dos escritores da nossa literatura:

🎭🎭🎭

Bacanal, de Manuel Bandeira (Do livro “Carnaval” de 1919).

Quero beber! cantar asneiras

No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco…
Evoé Baco!

Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada,
A gargalhar em doudo assomo…
Evoé Momo!

Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos…
Evoé Vênus!

Se perguntarem: Que mais queres,
Além de versos e mulheres?…
– Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!…
Evoé Baco!

O alfange rútilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que eu não domo!…
Evoé Momo!

A Lira etérea, a grande Lira!…
Por que eu extático desfira
Em seu louvor versos obscenos,
Evoé Vênus!

🎭

Um homem e o seu carnaval, de Carlos Drummond de Andrade (Do livro "Brejo das Almas" de 1934).

 

Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido.
Sem olhos, sem boca
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.

O pandeiro bate
é dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.
Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando os corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.

Deus me abandonou
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter
curvas curvas curvas
bandeiras de préstitos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente.

🎭

Soneto de Carnaval, de Vinícius de Moraes

 

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado é uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.

 🎭

Carnaval, de Cecília Meireles

Com os teus dedos feitos de tempo silencioso,
Modela a minha mascara, modela-a…
E veste-me essas roupas encantadas
Com que tu mesmo te escondes, ó oculto!

Põe nos meus lábios essa voz
Que só constrói perguntas,
E, à aparência com que me encobrires,
Dá um nome rápido, que se possa logo esquecer…

Eu irei pelas tuas ruas,
Cantando e dançando…
E lá, onde ninguém se reconhece,
Ninguém saberá quem sou,
À luz do teu Carnaval…

Modela a minha máscara!
Veste-me essas roupas!

Mas deixa na minha voz a eternidade
Dos teus dedos de silencioso tempo…
Mas deixa nas minhas roupas a saudade da tua forma…
E põe na minha dança o teu ritmo,
Para me conduzir…

 🎭

Aula de carnaval, de Ricardo Azevedo, do livro "Aula de Carnaval e Outros Poemas".

 

Na aula de carnaval

A ordem é ter alegria

A norma é rir todo dia

A regra é festa e folia

 Na aula de carnaval

Não tem palco nem plateia

Todo mundo brinca junto

Que ser brincante é a ideia

Na aula de carnaval

O nobre vira mendigo

O pobre nada em dinheiro

Rico e pobre é tudo amigo

Na aula de carnaval

Homem usa sutiã

Mulher tem bigode e barba

Criança vira anciã

 Na aula de carnaval

Marmanjo chupa chupeta

Sai de fralda e mamadeira

Com gravata borboleta

Na aula de carnaval

O velho vira criança

 Menino sai de bengala

Dentadura e aliança

Na aula de carnaval

A invenção é um estudo

Criação vira exercício

Improviso é quase tudo

 Na aula de carnaval

 Idade fica de lado

 Tanto faz ser velho ou moço

O que importa é o rebolado

Na aula de carnaval

Quem está por cima desce

Quem está por baixo cresce

Quem está de fora aparece

Na aula de carnaval

Qualquer um é sempre o tal

Cada qual tem seu espaço

Todo mundo é o maioral

Na aula de carnaval

Esperança é sempre à beça

Fim do mundo?

Isso é conversa!

Tudo acaba e recomeça

Na aula de carnaval

 A folia é uma pesquisa

A fantasia é uma prova

E a alegria organiza

Na aula de carnaval

Ninguém vive numa ilha

Toda gente é como irmão

E o mundo vira família

Na aula de carnaval

A poesia é coisa séria

Liberdade é documento

E o sonho é sempre matéria

🎭



Rir é o melhor remédio

Quais os benefícios do riso para a nossa saúde?
Listei alguns deles:
1. Rir auxilia o equilíbrio físico e emocional;
2. Alivia o estresse;
3. Dá sensação de relaxamento;
4. Favorece os vínculos sociais;
5. Libera serotonina (hormônio da felicidade) e endorfina, contribuindo para a nossa saúde mental;
6. Faz bem ao coração;
7. Favorece o nosso sistema imunológico.

E para completar essa lista, nada como uma leitura divertida. Pensando nisso, selecionei a poesia de Luis Fernando Veríssimo, do livro "Poesia numa hora dessas?".

O Ministério do Riso recomenda: muitas doses diárias de bom humor!


O homem é o único animal…

…que ri
…que chora
…que chora de rir
…que passa por outro e finge que não vê
…que fala mais do que papagaio
…que está sempre no cio
…que passa trote
…que passa calote
…que mata a distância
…que manda matar
…que esfola os outros e vende o pêlo
…que alimenta as crias, mas depois cobra com chantagem sentimental
…que faz o que gosta escondido e o que não gosta em público
…que leva meses aprendendo a andar
…que toma aula de canto
…que desafina
…que paga pra voar
…que pensa que é anfíbio e morre afogado
…que pensa que é bípede e tem problema de coluna
…que não tem rabo colorido, mas manda fazer
…que só muda de cor com produtos químicos ou de vergonha
…que tem que comprar antenas
…que bebe, fuma, usa óculos, fica careca, põe o dedo no nariz e gosta de ópera
…que faz boneco inflável de fêmea
…que não suporta o próprio cheiro
…que se veste
…que veste os outros
…que despe os outros
…que só lambe os outros
…que tem cotas de emigração
…que não tem uma linguagem comum a toda a espécie
…que se tosa porque quer
…que joga no bicho
…que aposta em galo e cavalo
…que tem gato e cachorro
…que tem lucro com os ovos dos outros
…que caça borboleta
…que usa gravata e pensa que Deus é parecido com ele
…que planta e colhe
…que planta e colhe e mesmo assim morre de fome
…que foi à Lua
…que apara os bigodes
…que só come carne crua em restaurante alemão
…que gosta de escargot (fora o escargot)
…que faz dieta
…que usa o dedão
…que faz gargarejo
…que escraviza
…que tem horas
…que imita passarinho
…que poderia ter construído Veneza e destruído Hiroshima
…que faz fogo
…que se analisa
…que faz ginástica rítmica
…que sabe que vai morrer
…que sabe que vai morrer e mesmo assim vai atrás do motorista que cortou sua frente só para xingar a mãe dele e se desagravar porque não leva desaforo pra casa de vagabundo nenhum
…que sabe que vai morrer e mesmo assim, ou por causa disto, fica fazendo caretas na frente do espelho
…que se compara com os outros animais
…que se mata
… que se pinta
…que tem uma cosmogonia
…que senta e cruza as pernas
…que chupa os dentes
…que pensa que é eterno.

O homem não é o único animal…

…que constrói casa, mas é o único que precisa de fechadura
…que foge dos outros, mas é o único que chama de retirada estratégica
…que se ajoelha, mas é o único que faz isto voluntariamente

…que trai, polui e aterroriza, mas é o único que se justifica depois
…que engole sapo, mas é o único que não faz isso pelo valor nutricional
…que faz sexo, mas é o único que precisa de manual de instruções




11 de janeiro de 2024

Poesia para Crianças

Poesia para crianças tem que ser de boa qualidade, pois criança não é um ser bobinho como muitos pensam. 

Poesia para cativar e encantar uma criança tem que ser bonita, envolvente, instigar, cutucar a imaginação, ser surpreendente, mexer com a emoção, mexer com as sensações, mostrar algo especial ao mundo dela, divertir, fazer sonhar, ser gostosa, ser lúdica, brincar com as palavras, ser inusitada, mostrar algo de diferente, ser especial...

Em nossa literatura infantil há muitos poetas que brincam com as palavras de um jeito especial, gostoso, leve, que encantam uma criança a ouvir ou a ler poesia. Esses escritores usam de recursos como jogos de palavras, repetição de fonemas, ritmo, musicalidade e vão juntando isso tudo para dar a ludicidade verbal, sonora e até musical às palavras que compõe o poema. 

Segundo José Paulo Paes, em seu livro "É isso ali": "Toda poesia tem que ter uma surpresa. Se não tiver, não é poesia: é papo furado."

Para ilustrar tudo isso, quatro poemas infantis de grandes autores da nossa literatura:


O grilo grilado (Elias José)

O grilo
coitado,
anda grilado.
E eu sei
o que há.
Salta pra aqui
salta pra ali
Cri-cri pra cá
cri-cri pra lá.
O grilo
coitado,
anda grilado
e não quer contar.
No fundo
não ilude.
É só reparar
em sua atitude
pra se desconfiar.
O grilo
coitado
anda grilado
e quer um analista
e quer um doutor.
Seu grilo,
eu sei:
o seu grilo
é um grilo
de amor.


Roda na rua (Cecília Meireles)

Roda na rua
a roda do carro.

Roda na rua
a roda das danças.

A roda na rua
rodava no barro.

Na roda da rua
rodavam crianças.

O carro, na rua.


O Pinguim (Vinícius de Moraes)

Bom dia, pinguim
Onde vai assim
Com ar apressado?
Eu não sou malvado
Não fique assustado
Com medo de mim
Eu só gostaria
De dar um tapinha
No seu chapéu jaca
Ou bem de levinho
Puxar o rabinho
Da sua casaca

Quando você caminha
Parece o Chacrinha
Lelé da caixola
E um velho senhor
Que foi meu professor
No meu tempo de escola
Pinguim, meu amigo
Não zangue comigo
Nem perca a estribeira
Não pergunte por quê
Mas todos põem você
Em cima da geladeira


Ritmo (Mario Quintana)

Na porta
a varredeira varre o cisco
varre o cisco
varre o cisco

Na pia
a menininha escova os dentes
escova os dentes
escova os dentes

No arroio
a lavadeira bate roupa
bate roupa
bate roupa

Até que enfim
‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ se desenrola
‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ toda a corda
e o mundo gira imóvel como um pião!

🎲🏀🎨🎈🎡🎪

Fonte: 
Livro "Literatura Infantil: Gostosuras e Bobices", de Fanny Abramovich. Ed. Scipione.






2 de janeiro de 2024

Feliz Ano Novo, leitores!

Chegou 2024!! E junto com ele, os nossos sonhos, nossos planos, nossas listas, nossas esperanças...

Desejo a todos que passarem por aqui, leitores do blog ou não, um novo ano de muita saúde, paz, prosperidade e muitas leituras. Para brindar mais um ano de Leituras & Literatura, três poemas com o tema "ano novo" de três dos poetas que mais admiro (acho que muito de vocês também): Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar e Mario Quintana. 

Que a poesia esteja sempre em nossas vidas para nos encantar e nos fazer ter 

ES-PE-RAN-ÇA. 💖


RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

(Carlos Drummond de Andrade)

💖

Ano Novo 

Meia-noite. Fim

de um ano, início

de outro. Olho o céu:

nenhum indício.

Olho o céu:

o abismo vence o

olhar. O mesmo

espantoso silêncio

da Via-Láctea feito

um ectoplasma

sobre a minha cabeça

nada ali indica

que um ano novo começa.

E não começa

nem no céu nem no chão

do planeta:

começa no coração.

Começa como a esperança

de vida melhor

que entre os astros

não se escuta

nem se vê

nem pode haver:

que isso é coisa de homem

esse bicho

estelar

que sonha

(e luta).

(Ferreira Gullar)

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Esperança 

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano

Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

(Mario Quintana)

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