26 de julho de 2016

Crônica da semana

Uma crônica divertida de Carlos Drummond de Andrade para aguçar a nossa  percepção aos mal-entendidos do dia a dia.  

O assalto

Na feira, a gorda senhora protestou a altos brados contra o preço do chuchu:
— Isto é um assalto!
Houve um rebuliço. Os que estavam perto fugiram. Alguém, correndo, foi chamar o guarda. Um minuto depois, a rua inteira, atravancada, mas provida de um admirável serviço de comunicação espontânea, sabia que se estava perpetrando um assalto ao banco. Mas que banco? Havia banco naquela rua? Evidente que sim, pois do contrário como poderia ser assaltado?
— Um assalto! Um assalto! — a senhora continuava a exclamar, e quem não tinha escutado, escutou, multiplicando a notícia. Aquela voz subindo do mar de barracas e legumes era como a própria sirena policial, documentando, por seu uivo, a ocorrência grave, que fatalmente se estaria consumando ali, na claridade do dia, sem que ninguém pudesse evitá-la.
Moleques de carrinho corriam em todas as direções, atropelando-se uns aos outros. Queriam salvar as mercadorias que transportavam. Não era o instinto de propriedade que os impelia. Sentiam-se responsáveis pelo transporte. E no atropelo da fuga, pacotes rasgavam-se, melancias rolavam, tomates esborrachavam-se no asfalto. Se a fruta cai no chão, já não é de ninguém; é de qualquer um, inclusive do transportador. Em ocasiões de assalto, quem é que vai reclamar uma penca de bananas meio amassadas?
— Olha o assalto! Tem um assalto ali adiante!
O ônibus na rua transversal parou para assun tar. Passageiros ergueram-se, puseram o nariz para fora. Não se via nada. O motorista desceu, desceu o trocador, um passageiro advertiu:
— No que você vai a fim do assalto, eles assaltam sua caixa.
Ele nem escutou. Então os passageiros também acharam de bom alvitre abandonar o veículo, na ânsia de saber, que vem movendo o homem, desde a idade da pedra até a idade do módulo lunar.
Outros ônibus pararam, a rua entupiu.
— Melhor. Todas as ruas estão bloqueadas. Assim eles não podem dar no pé.
— É uma mulher que chefia o bando!
— Já sei. A tal dondoca loira.
— A loura assalta em São Paulo. Aqui é morena.
— Uma gorda. Está de metralhadora. Eu vi.
— Minha Nossa Senhora, o mundo está virado!
— Vai ver que está caçando é marido.
— Não brinca numa hora dessas. Olha aí sangue escorrendo!
— Sangue nada, é tomate.
Na confusão, circularam notícias diversas. O assalto fora a uma joalheria, as vitrinas tinham sido esmigalhadas a bala. E havia jóias pelo chão, braceletes, relógios. O que os bandidos não levaram, na pressa, era agora objeto de saque popular. Morreram no mínimo duas pessoas, e três estavam gravemente feridas.
Barracas derrubadas assinalavam o ímpeto da convulsão coletiva. Era preciso abrir caminho a todo custo. No rumo do assalto, para ver, e no rumo contrário, para escapar. Os grupos divergentes chocavam-se, e às vezes trocavam de direção; quem fugia dava marcha à ré, quem queria espiar era arrastado pela massa oposta. Os edifícios de apartamentos tinham fechado suas portas, logo que o primeiro foi invadido por pessoas que pretendiam, ao mesmo tempo, salvar o pêlo e contemplar lá de cima. Janelas e balcões apinhados de moradores, que gritavam:
— Pega! Pega! Correu pra lá!
— Olha ela ali!
— Eles entraram na Kombi ali adiante!
— É um mascarado! Não, são dois mascarados!
Ouviu-se nitidamente o pipocar de uma metralhadora, a pequena distância. Foi um deitar-no-chão geral, e como não havia espaço uns caíam por cima de outros. Cessou o ruído, Voltou. Que assalto era esse, dilatado no tempo, repetido, confuso?
— Olha o diabo daquele escurinho tocando matraca! E a gente com dor-de-barriga, pensando que era metralhadora!
Caíram em cima do garoto, que sorveteu na multidão. A senhora gorda apareceu, muito vermelha, protestando sempre:
— É um assalto! Chuchu por aquele preço é um verdadeiro assalto!

(Para Gostar de Ler, vol. 3. Ed. Ática)

18 de julho de 2016

Poesia Social

Hoje, pensei em Ferreira Gullar e, ao mesmo tempo, lembrei de um poema dele, atemporal.
Para bom entendedor, um poema inteiro basta.

Não há vagas
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço do arroz
não cabe no poema.

Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em seus arquivos.

Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras.
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede nem cheira.



(GULLAR, Ferreira. Toda Poesia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980. p. 224)



Bienal Internacional do Livro

Neste ano, acontecerá a 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, de 26/8 a 04/09 no Pavilhão de Exposições do Anhembi.
O evento, além do encontro das principais editoras, livrarias e distribuidoras do país, contará com uma programação que mesclará literatura, gastronomia, cultura e  negócio. Diversão garantida para todas as idades!

Mais informações no site: www.bienaldolivrosp.com.br/


A primeira Bienal Internacional do Livro de São Paulo foi organizada pela Câmara Brasileira do Livro, a CBL. Isso ocorreu entre 15 e 30 de agosto de 1970, no Pavilhão da Bienal, no Ibirapuera. Esse projeto foi iniciado na década de 50, mais precisamente em 1951, com o intuito de introduzir no País a tradição europeia das feiras de livros encontradas na França, Alemanha e Itália. Essa experiência foi retomada em 1956 e deslocada para o Viaduto do Chá. Em 1961 foi promovida a 1ª Bienal Internacional do Livro e das Artes Gráficas, evento que se repetiu em 1963 e 1965, servindo de ensaio para a 1ª Bienal Internacional do Livro, promovida exclusivamente pela CBL, em 1970. 

Em 2002, a Bienal transferiu-se para o Centro de Exposições Imigrantes e desde 2006, a feira é realizada no Pavilhão de Exposições do Anhembi, o maior e mais tradicional local de eventos de negócios da América Latina.

No Rio de Janeiro, em 1983, há 30 anos, nos salões do Hotel Copacabana Palace, teve início a Bienal do Livro do Rio, reunindo milhares de pessoas.


Atualmente, a Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro é realizada no Riocentro e se transformou no mais importante acontecimento editorial do Brasil. A cada edição, o evento supera expectativas de público, vendas e mídia.


Em 2017, a Bienal do Rio será realizada de 31/8 a 10/9, no Riocentro.


Até lá, leitores!!