15 de dezembro de 2013

O Natal por Drummond

Natal às avessas
                              
Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.

Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças
Papai  entrou compenetrado.
Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celulóide.
Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do  aperto.
Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.
Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes.

Carlos Drummond de Andrade

 
 Leiam, também, a deliciosa crônica de Drummond "Este Natal" em:
 
 Um aperitivo para aguçar a curiosidade dos leitores:
 
 
Este Natal
 
— Este Natal anda muito perigoso — concluiu João Brandão, ao ver dois PM travarem pelos braços o robusto Papai Noel, que tentava fugir, e o conduzirem a trancos e barrancos para o Distrito. Se até Papai Noel é considerado fora-da-lei, que não acontecerá com a gente? (...)

18 de novembro de 2013

Algumas maneiras de incentivar o gosto pela leitura

Inspirada pela Revista Educar, da APPAI, segue uma lista de boas sugestões para incentivar o amor pelos livros:
 
  1. Presentear bebês com livros de pano ou borracha. Hoje em dia, está mais fácil de encontrar esse material em boas livrarias.
  2. Ler para as crianças na hora de dormir.
  3. Comprar gibis para presentear a garotada.
  4. Ler uma poesia para quem a gente ama. Vale também copiar um poema de um livro num cartão e dar junto com um presente para uma pessoa querida. Isso sempre emociona.
  5. Dar um guia de viagem para quem irá viajar ao exterior ou mesmo para uma outra cidade.
  6. Levar sempre um livro na bolsa quando sair de casa.
  7. Emprestar e tomar livros emprestados.
  8. Frequentar bibliotecas e livrarias.
  9. Nada mais bonito e incentivador do que a escola presentear seus educadores com livros.
  10. Estimular as pessoas a dar continuidade aos seus estudos.
  11. Ensinar um adulto a ler. Nem sempre alfabetizar significa formar leitores. A leitura está associada ao amor pelas palavras, pela linguagem, pela vida.
  12. Assinar revistas ou jornais do seu interesse.
  13. Dica para o professor: antes de começar a aula, escrever na lousa algum pensamento de um autor importante, alguns versos ou um haicai.
  14. Contar para o outro a história de um livro de que gostou demais.
  15. Ler a biografia de alguém que a gente admira.
  16. Colocar livros e revistas no bidê. Muita gente gosta de ler no banheiro.
  17. Cantar com a letra de música nas mãos.
  18. Colecionar catálogos de livros das editoras para entender o perfil de cada uma.
  19. Enviar e-mails para os amigos sugerindo bons livros.
  20. Aproveitar para ler na fila do banco, no ônibus (para quem não enjoa), no metrô, no trem ou no consultório médico.
  21. Dar livros de receitas para quem adora cozinhar.
  22. Ler a cidade, ler um amigo, ler um animal, ler a chuva caindo, ler um jardim, ler a lua, ler as estrelas...
  23. Abraçar um livro quando acabamos a leitura. O outro ficará extremamente curioso para saber por que fizemos aquilo; o que o livro tem de tão bom assim a ponto de merecer um abraço?




Fonte:
Revista Educar, Ano 16, nº 84, da APPAI - Associação Beneficente de Professores Públicos Ativos e Inativos.



30 de outubro de 2013

31 de outubro: O Dia D de Drummond

"E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.
Eterno! Eterno!"
(Do poema "Eterno")


Um poeta de alma e ofício. Assim era Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), natural de Itabira, Minas Gerais, nascido em 31 de outubro.  Dedicou-se ao jornalismo e ingressou no funcionalismo público. Fez parte da segunda fase do Modernismo - a poesia de 30.
Drummond foi poeta e cronista admirável. A dimensão e a riqueza de seus textos produzidos de 1930 a 1986 ainda requerem pesquisas e investigações profundas. Dada a farta produção poética, a organização de suas obras permite acompanhar a evolução de seus temas, de sua visão de mundo e de seus traços estilísticos.
Carlos Drummond de Andrade foi a maior expressão poética da literatura brasileira no século XX.


Para saber mais, acesse a biografia:
 
                         
                                                   
Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada. O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode, Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco. Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração. Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo. 


(De Alguma poesia, 1930)
 
                                    
 
   "Que pode uma criatura senão
entre criaturas, amar? 
 (Do poema, "Amar")

 
Política literária
                            A Manuel Bandeira
O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.
Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz.
 
(De Brejo das Almas, 1934) 
 
 
Canção para álbum de moça
 
Bom-dia sempre: se acaso
a resposta vier fria ou tarde vier,
contudo esperarei o bom-dia.
E sobre casas compactas
sobre o vale e a serrania
irei repetindo manso
a qualquer hora: bom dia.
Nem a moça põe reparo
não sente, não desconfia
o que há de carinho preso
no cerne deste bom-dia.
Bom dia: repito à tarde
à meia-noite: bom dia.
E de madrugada vou
pintando a cor de meu dia
que a moça possa encontrá-lo
azul e rosa: bom dia.
Bom dia: apenas um eco na mata
(mas quem diria)
decifra minha mensagem,
deseja bom o meu dia.
A moça, sorrindo ao longe
não sente, nessa alegria,
o que há de rude também
no clarão deste bom-dia.
De triste, túrbido, inquieto,
noite que se denuncia
e vai errante, sem fogos,
na mais louca nostalgia.
Ah, se um dia respondesses
Ao meu bom-dia: bom dia!
Como a noite se mudara
no mais cristalino dia!

(De Claro Enigma, 20.ed. 2011) 
 
 
 Os dez melhores poemas, segundo a Revista Bula: 
 
 
 
"Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade."
(Carlos Drummond de Andrade)
 

29 de outubro de 2013

29 de outubro - Dia Nacional do Livro

A primeira biblioteca do Brasil disponibilizava um acervo bibliográfico valioso, vindos da Real Biblioteca Portuguesa. As primeiras acomodações da Biblioteca foram em salas do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, na cidade do Rio de Janeiro.
Em 29 de outubro de 1810 foi fundada pela coroa portuguesa a Biblioteca Nacional do Livro.
 
Após a criação da prensa tipográfica, por Johannes Gutenberg (1398-1468), deu-se a publicação do primeiro livro em série, que foi conhecida como "a Bíblia de Gutenberg". Essa invenção marcou a passagem da era medieval para a era moderna.
 
O primeiro livro publicado no Brasil foi "Marília de Dirceu", de Tomás Antônio Gonzaga. Na época, o imperador do país fazia uma leitura prévia dos mesmos, a fim de liberar ou não o seu conteúdo.
Em 1925, Monteiro Lobato, escritor e editor, fundou a Companhia Editora Nacional, intensificando o movimento editorial no Brasil.




"Sempre imaginei o paraíso como uma grande biblioteca."
                                                         (Jorge Luís Borges)


 

26 de outubro de 2013

Semana para comemorar

A ideia do "Dia D" foi lançada pelo Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro em 2011. 
O objetivo foi fazer com que a data passasse a integrar o calendário cultural brasileiro.
Celebre o nascimento do nosso grande poeta e cronista!
 
 
 

17 de outubro de 2013

Centenário de Vinícius de Moraes

"É melhor ser alegre que ser triste
A alegria é a melhor coisa que existe.
É assim como a luz no coração."
(Samba da Benção)
 
Marcus Vinícius de Moraes nasceu em 19 de outubro de 1913, Gávea, Rio de Janeiro. Foi diplomata, poeta, dramaturgo, jornalista e compositor.
Formou-se na Faculdade de Direito do Catete. Em 1928 escreveu as letras de "Loura ou Morena" e "Canção da noite". Publicou entre 1933 a 1938: "O caminho para a distância", "Forma e Exegese", "Ariana, a Mulher" e "Novos Poemas". Em 1943, publicou "Cinco Elegias" e se iniciou na carreira diplomática. Em 1954, publicou sua "Antologia Poética". Em 1956, "Orfeu da Conceição" foi encenado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Em 1957, publicou o "Livro de Sonetos" e em 1958 lançou o histórico disco "Canção do Amor Demais". No ano seguinte, ganhou a Palma de Ouro em Cannes com o filme "Orfeu Negro" e publicou "Novos Poemas II".  Em 1962, publicou "Para viver um grande amor". Em 1965, publicou a peça "Cordélia e o Peregrino" e, no ano seguinte, "Para uma menina com uma flor".
No final de 1968 foi afastado da carreira diplomática tendo sido aposentado compulsoriamente pelo Ato Institucional Número Cinco, o AI-5.
Na década de 1970, já consagrado e com um novo parceiro, Toquinho, Vinicius seguiu lançando álbuns e livros de grande sucesso. Era também chamado de "poetinha", apelido dado por Tom Jobim.
Vinícius de Moraes casou-se nove vezes e teve cinco filhos. Morreu em 9 de julho de 1980.
 
Para saber mais sobre Vinícius, acesse:
Poesia, música, prosa, vida e outros olhares...
 
 
Ai, quem me dera
Ai quem me dera, terminasse a espera
E retornasse o canto simples e sem fim...
E ouvindo o canto se chorasse tanto
Que do mundo o pranto se estancasse enfim

Ai quem me dera percorrer estrelas
Ter nascido anjo e ver brotar a flor
Ai quem me dera uma manhã feliz
Ai quem me dera uma estação de amor

Ah! Se as pessoas se tornassem boas
E cantassem loas e tivessem paz
E pelas ruas se abraçassem nuas
E duas a duas fossem ser casais

Ai quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afins
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim

Ai quem me dera ouvir o nunca mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E finda a espera ouvir na primavera
Alguém chamar por mim...
 
 
 
Soneto de Fidelidade
 De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
 
Bibliografia
AFONSO, Carlos Alberto. ABC Vinícius de Moraes. Rio de Janeiro: Ed. Novo Quadro, 1991.
MORAES, Vinícius. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Ed. A Noite, 1960.
 

10 de outubro de 2013

Dia da Criança - dê livros!

Estimular o hábito da leitura nos pequenos é enriquecedor, quanto mais cedo melhor.
Quando um adulto lê para uma criança, mostra caminhos cheio de possibilidades. Dá a ela o direito à educação, à cultura e ao divertimento.
Através dos livros, as crianças aprendem a nomear o mundo a sua volta, se expressar e se socializar.
Para despertar o gosto pela leitura em crianças, reserve em sua casa (ou na escola) um "cantinho" dos livros. Tenha um espaço para guardar os livros, sempre bem-cuidado, sempre em ordem. Mostre a elas o seu respeito e admiração pelos livros.
Habitue a criança a reservar um tempo, ainda que pequeno, para sua "Hora de Leitura". Sempre que puder, não deixe de acompanhar a criança, dedicando-se também a essa leitura diária. Mesmo que não seja uma leitura compartilhada, mostre sua dedicação a esses minutos; você com o seu jornal ou livro e a criança com qualquer livro que queira ler.
Os livros infantis são ricos, tudo é importante, não só o texto, também a capa, as letras e as ilustrações.
 
 A seguir, algumas sugestões de livros:
 
Até 3 anos
Telefone sem fio - Ilan Breman. Ed. Companhia das Letrinhas.
Contos de Grimm.Tradução de Heloísa Jahn. Ed. Companhia das Letrinhas.
Cacoliques - Tatiana Belink. Ed. Melhoramentos.
Onda - Suzi Lee. Ed. Cosac Naify.
Tudo bem ser diferente. -Tod Parr. Ed. Panda Books.
Bruxa, bruxa venha a minha festa. - Druce Arden. Ed. Brinque- Books.
A Casa Sonolenta - Andrey Wood. Ed. Ática
  
De 4 a 5 anos
Coleção Mico Maneco. Ana Maria Machado. Ed. Salamandra.
O Grúfalo - Julia Donaldson. Ed. Brinque-Books
A arca de noé - Vinícius de Moraes. Ed. Companhia das Letrinhas.
Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias - Ruth Rocha. Ed. Moderna.
Soltei o Pum na escola! - Blandina Franco e José Carlos Lollo. Ed. Companhia das Letrinhas.
 
De 6 a 10 anos
O Mistério do Coelho Pensante - Clarice Lispector. Ed. Rocco.
Alice no País da Maravilhas. Lewis Carroll. Ed. Zahar.
As aventuras de Dom Quixote de La Mancha. Ana Maria Machado. Ed. Mercuryo.
O fazedor de amanhecer - Manoel de Barros. Ed. Salamandra.
Sete histórias para sacudir o esqueleto - Angela Lago. Ed. Companhia das Letrinhas.
Contos de adivinhação - Ricardo Azevedo. Ed. Ática.
O gênio do crime - João Carlos Marinho. Ed. Global
 
Mais dicas de livros infantis e juvenis, acesse:
Educar para Crescer
 
Revista Nova Escola
 
Participe da campanha do Itaú: Ler para uma criança. Faça a inscrição e receba dois livros, grátis. Os livros são de ótima qualidade. Aproveite!
 
Feliz Dia das Crianças!
 
 
 

4 de outubro de 2013

Livros, leituras, leitores...

 
"É ainda possível chorar sobre as páginas de um livro, mas não se pode derramar lágrimas sobre um disco rígido."
(José Saramago)
 
"Onde eu não estou, as palavras me acham."
(Manoel de Barros)
 
"Um livro deve ser o machado que partirá os mares congelados dentro de nossa alma."
(Franz Kafka)
 
"Sempre imaginei o paraíso como uma grande biblioteca."
(Jorge Luís Borges)
 
"O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive."
(Pe. Antônio Vieira)
 
"A leitura engrandece a alma."
(Voltaire)
 
"Quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma."
(Fernando Pessoa)

 
"A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas, por incrível que pareça, a quase totalidade das pessoas não sente esta sede."
(Carlos Drummond de Andrade)
 


 


30 de setembro de 2013

Não tão ruim assim

Compartilho este quadrinho da comunidade "Quadrinhos Ácidos" postado em uma rede social e aproveito para lançar uma reflexão: há um lado ruim em gostar de livros?

 

27 de setembro de 2013

A leitura compartilhada

"...a leitura compartilhada é a base da formação de leitores.”
                                                                   (Tereza Colomer)
Por que é tão importante compartilhar a leitura? Porque torna possível a troca de experiências com outras pessoas em benefício da construção de sentido, além de tratar de uma aprendizagem social e afetiva.
Na escola, a leitura sempre se relaciona com as atividades compartilhadas. Não se pode manter essa dimensão socializadora dentro dos limites de algo separado, quando se fala dos livros no ambiente escolar.
Crianças ou jovens que exploram juntos os livros, habituam-se depressa a perceber os jogos textuais, as linhas de sentido, as estruturas paralelas, as repetições etc. Conversar com eles sobre o que é lido é fundamental. Muitas atividades podem ser desenvolvidas após uma discussão seguida à leitura compartilhada. Pode-se discutir sobre a história, o ritmo, as personagens, a percepção do objeto-livro (capa, encadernação, paginação, ilustração, formato) etc. Essas atividades ajudam na compreensão da leitura e proporciona uma aprendizagem rica, ou seja, cada um tem a oportunidade ver a forma em que operam os outros no entendimento do texto.
"Para a escola, as atividades compartilhadas são as que melhor respondem a esse antigo objetivo de 'formar o gosto' a que aludimos; porque comparar a leitura individual com a realizada por outros é o instrumento por excelência para construir o etinerário entre a recepção individual das obras e sua valorização social." (COLOMER, 2007)
O professor que provoca uma discussão, por exemplo, no início de um capítulo, está criando um espaço de leitura compartilhada em classe. Desde modo, dá oportunidade à apreciação com os demais e a construção de um sentido entre todos os alunos leitores.
O livro a ser compartilhado deve ser aquele que ofereça alguma dificuldade ao leitor. Se não há um significado que requeira um esforço de construção, não se pode negociar um sentido. Encontrar ambiguidades interessantes encaminha o leitor a buscar indícios, reler passagens e discutir possíveis interpretações.
A escola é o contexto de relação onde se constrói essa ponte. Não se pode deixar de dar aos alunos a oportunidade de atravessá-la.
Bibliografia:
COLOMER, Tereza. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007.
 

21 de setembro de 2013

Veríssimo

Luís Fernando Veríssimo é cronista, contista, romancista e quadrinista. Nasceu em 26 de setembro de 1936, em Porto Alegre. Iniciou seus estudos em sua cidade natal e continuou nos Estados Unidos. 

A primeira experiência literária foram as cartas ao pai, o escritor Érico Veríssimo, contando suas dificuldades quando mudou para o Rio de Janeiro.
Quando voltou a Porto Alegre, Veríssimo foi trabalhar no jornal Zero Hora.
Em 1975 publicou a coletânea "A grande mulher nua".
Um dos sonhos do escritor era ser desenhista profissional, mas ele nunca levou isso muito a sério. Mesmo assim, produziu tirinhas diárias para os jornais. Assim nasceram  "As cobras", "Ed Mort" e "Família Brasil".
Veríssimo diz que aprendeu sozinho tudo que é verdadeiramente útil na sua profissão de escritor.
É considerado um dos melhores escritores da literatura brasileira.
 
Para saber mais sobre Veríssimo, acesse:

Uma crônica de aperitivo:

                                    COMUNICAÇÃO

É importante saber o nome das coisas. Ou, pelo menos, saber comunicar o que você quer. Imagine-se entrando numa loja para comprar um... um... como é mesmo o nome?
"Posso ajudá-lo, cavalheiro?"
"Pode. Eu quero um daqueles, daqueles..."
"Pois não?"
"Um... como é mesmo o nome?"
"Sim?"
"Pomba! Um... um... Que cabeça a minha. A palavra me escapou por completo. É uma coisa simples, conhecidíssima."
"Sim senhor."
"O senhor vai dar risada quando souber."
"Sim senhor."
"Olha, é pontuda, certo?"
"O quê, cavalheiro?"
"Isso que eu quero. Tem uma ponta assim, entende? Depois vem assim, assim, faz uma volta, aí vem reto de novo, e na outra ponta tem uma espécie de encaixe, entende? Na ponta tem outra volta, só que está e mais fechada. E tem um, um... Uma espécie de, como é que se diz? De sulco. Um sulco onde encaixa a outra ponta, a pontuda, de sorte que o, a, o negócio, entende, fica fechado. É isso. Uma coisa pontuda que fecha. Entende?"
"Infelizmente, cavalheiro..."
"Ora, você sabe do que eu estou falando."
"Estou me esforçando, mas..."
"Escuta. Acho que não podia ser mais claro. Pontudo numa ponta, certo?"
"Se o senhor diz, cavalheiro."
"Como, se eu digo? Isso já é má vontade. Eu sei que é pontudo numa ponta. Posso não saber o nome da coisa, isso é um detalhe. Mas sei exatamente o que eu quero."
"Sim senhor. Pontudo numa ponta."
"Isso. Eu sabia que você compreenderia. Tem?"
"Bom, eu preciso saber mais sobre o, a, essa coisa. Tente descrevê-la outra vez. Quem sabe o senhor desenha para nós?"
"Não. Eu não sei desenhar nem casinha com fumaça saindo da chaminé. Sou uma negação em desenho."
"Sinto muito."
"Não precisa sentir. Sou técnico em contabilidade, estou muito bem de vida. Não sou um débil mental. Não sei desenhar, só isso. E hoje, por acaso, me esqueci do nome desse raio. Mas fora isso, tudo bem. O desenho não me faz falta. Lido com números. Tenho algum problema com os números mais complicados, claro. O oito, por exemplo. Tenho que fazer um rascunho antes. Mas não sou um débil mental, como você está pensando."
"Eu não estou pensando nada, cavalheiro."
"Chame o gerente."
"Não será preciso, cavalheiro. Tenho certeza de que chegaremos a um acordo. Essa coisa que o senhor quer, é feito do quê?"
"É de, sei lá. De metal."
"Muito bem. De metal. Ela se move?"
"Bem... É mais ou menos assim. Presta atenção nas minhas mãos. É assim, assim, dobra aqui e encaixa na ponta, assim."
"Tem mais de uma peça? Já vem montado?"
"É inteiriço. Tenho quase certeza de que é inteiriço."
"Francamente..."
"Mas é simples! Uma coisa simples. Olha: assim, assim, uma volta aqui, vem vindo, vem vindo, outra volta e clique, encaixa."
"Ah, tem clique. É elétrico."
"Não! Clique, que eu digo, é o barulho de encaixar."
"Já sei!"
"Ótimo!"
"O senhor quer uma antena externa de televisão."
"Não! Escuta aqui. Vamos tentar de novo..."
"Tentemos por outro lado. Para o que serve?"
"Serve assim para prender. Entende? Uma coisa pontuda que prende. Você enfia a ponta pontuda por aqui, encaixa a ponta no sulco e prende as duas partes de uma coisa."
"Certo. Esse instrumentos que o senhor procura funciona mais ou menos como um gigantesco alfinete de segurança e..."
"Mas é isso! É isso! Um alfinete de segurança!"
"Mas do jeito que o senhor descrevia parecia uma coisa enorme, cavalheiro!"
"É que eu sou meio expansivo. Me vê aí um... um... Como é mesmo o nome?


(VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comunicação. In: PARA gostar de ler, v.7. 18.ed. São Paulo: Ática, 2022. p. 28-30 )

   
                                                              *************
Atualmente, escreve para algumas revistas e jornais, como O Globo e Estadão.
 
 "Você eu não sei, mas eu estou preocupadíssimo com a revelação de que os americanos têm monitorado tudo que é dito e escrito no Brasil nos últimos anos. Ouvem nossos telefonemas, leem nossos e-mails e, provavelmente, examinem o nosso lixo, atrás de indícios da nossa periculosidade (...)"
 
Outras crônicas de Veríssimo no Estadão, acesse:
 
                             
                                 *As cobras
 

7 de setembro de 2013

Ferreira Gullar - a poética da resistência

O poeta Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira, nasceu em 10 de setembro de 1930, na cidade de São Luiz, Maranhão.
É, também, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta.
Participou no Rio de Janeiro do movimento da poesia concreta.
Foi um dos fundadores do neoconcretismo, movimento artístico-literário, surgido como uma forma de reagir aos excessos trazidos pelo concretismo. Enquanto o concretismo era extremamente racional, o neoconcretismo trouxe a subjetividade de volta ao processo de criação artística.
Em 1960, Ferreira Gullar abandonou, também, o neoconcretismo por concluir que o movimento levaria ao abandono do vínculo entre a palavra e a poesia. Assim, passou a produzir uma poesia engajada e envolveu-se com os Centros Populares de Cultura.
Ganhou vários prêmios literários, entre eles, o Prêmio Jabuti, em outubro de 2011, com o livro de poesia "Em Alguma Parte Alguma", considerado "o Livro do Ano" de ficção.

  
Agosto 1964
Entre lojas de flores e de sapatos, bares
mercados, butiques.
viajo
num ônibus Estrada de Ferro-Leblon.
Volto do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.

O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.

Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato

um poema
uma bandeira
      *****
Para saber mais sobre a biografia do autor, acesse:
http://www.releituras.com/fgullar_bio.asp

                                   
"Poema Sujo", escrito no exílio,
em Buenos Aires.


"Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem."
                                                                       (Ferreira Gullar)

22 de agosto de 2013

Dia do Folclore

Folclore é o conjunto de tradições, conhecimentos ou crenças de um povo, expressos por suas lendas, canções e costumes.
A palavra folclore é derivada das palavras em inglês: "folk" (povo) e "lore" (conhecimento). O termo foi criado por um pesquisador europeu William John Thoms (1803-1885), em 1846, ao publicar um artigo intitulado "Folk-lore".
No Brasil, o Dia do Folclore  é comemorado em  22 de agosto.  A data foi criada em 1965 por decreto federal. Em São Paulo, um decreto estadual instituiu agosto como o mês do folclore.
Os elementos folclóricos são transmitidos de geração a geração. São manifestações populares como festas, danças, superstições, crenças, contos populares, provérbios, adivinhações, artigos de artesanatos, cantigas, brincadeiras infantis, alimentos, dentre várias outras. Pode variar de região para região, de grupo social e etnia.
Conhecer o folclore de um país, é conhecer o seu povo. Mas para que um costume seja considerado folclore, segundo estudiosos, é preciso que este seja praticado por um grande número de pessoas  e que tenha origem anônima.
 
Monteiro Lobato, Câmara Cascudo, Herberto Sales, Ricardo Azevedo são alguns exemplos de autores que enriquecem a nossa literatura com o tema do folclore.

A seguir, algumas sugestões de livros:
O Boto - Coleção Histórias do Rio Moju. Abramovich, Fanny. Ed.: FTD
Meu Livro de Folclore. Azevedo, Ricardo. Ed.: Ática.
Armazém do Folclore. Azevedo, Ricardo. Ed.: Ática.
Antologia do Folclore Brasileiro - volumes 1 e 2. Cascudo, Luis da Câmara. Ed.: Global.
O Lobisomem - Contos Folclóricos. Sales, Herberto. Ed.: Ediouro.

Histórias de Tia Anastácia. Lobato, Monteiro. Ed. Globo. 
 
Um conto de aperitivo:
 
Um encontro fantástico (João Anzanello Carrascoza)
Todos os anos eles se reuniam na floresta, à beira de um rio, para ver a quantas andava a sua fama. Eram criaturas fantásticas e cada uma vinha de um canto do Brasil. O Saci-Pererê chegou primeiro. Moleque pretinho, de uma perna só, barrete vermelho na cabeça, veio manquitolando, sentou-se numa pedra e acendeu seu cachimbo. Logo apontou no céu a Serpente Emplumada e aterrissou aos seus pés. Do meio das folhagens, saltou o Lobisomem, a cara toda peluda, os dentes afiados, enormes. Não tardou, o tropel de um cavalo anunciou o Negrinho do Pastoreio montado em pêlo no seu baio.
- Só falta o Boto - disse o Saci, impaciente.
- Se tivesse alguma moça aqui, ele já teria chegado para seduzi-la - comentou a Serpente Emplumada.
- Também acho - concordou o Lobisomem. - Só que eu já a teria apavorado.
Ouviram nesse instante um rumor à margem do rio. Era o Boto saindo das águas na forma de um belo rapaz.
- Agora estamos todos - disse o Negrinho do Pastoreio.
- E então? - perguntou o Boto, saudando o grupo. - Como estão as coisas?
- Difíceis - respondeu o Saci e soltou uma baforada. - Não assustei muita gente nesta temporada.
- Eu também não - emendou a Serpente Emplumada. - Parece que as pessoas lá no Nordeste não têm mais tanto medo de mim.
- Lá no Norte se dá o mesmo - disse o Boto. - Em alguns locais, ainda atraio as mulheres, mas em outros elas nem ligam.
- Comigo acontece igual - disse o Negrinho do Pastoreio. - Vivo a achar coisas que as pessoas perdem no Sul. Mas não atendi muitos pedidos este ano.
- Seu caso é diferente - disse o Lobisomem. - Você não é assustador como eu, o Saci e a Serpente Emplumada. Você é um herói.
- Mas a dificuldade é a mesma - discordou o Negrinho do Pastoreio.
- Acho que é a concorrência - disse o Boto. - Andam aparecendo muitos heróis e vilões novos.
- Pois é - resmungou a Serpente Emplumada. - Até bruxas andam importando. Tem monstros demais por aí...
- São todos produzidos por homens de negócios - disse o Saci. - É moda. Vai passar...
- Espero - disse o Lobisomem. - Bons aqueles tempos em que eu reinava no país inteiro, não só no cerrado.
- A diferença é que somos autênticos - disse o Negrinho do Pastoreio. - Nós nascemos do povo.
- É verdade - disse o Boto. - Mas temos de refrescar a sua memória.
- Se pegarmos no pé de uns escritores, a coisa pode melhorar - disse a Serpente Emplumada.
- Eu conheço um - disse o Saci. - Vamos juntos atrás dele! - E foi o primeiro a se mandar, a mil por hora, em uma perna só.
 
(Fonte: Revista Nova Escola)
 
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27 de julho de 2013

Encerrando o mês das crônicas

Leitores queridos, para encerrar o mês dedicado às crônicas,  um presente: a primeira crônica de Carlos Drummond de Andrade, "Leilão do ar", publicada no Jornal do Brasil em outubro de 1969. Perceba no texto a ortografia vigente da época. Boa leitura! 
 
 
 
 
 


A última crônica

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.  
A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho -- um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura — ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido — vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
 Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

       
(Fernando Sabino)
 
Extraído do livro "A Companheira de Viagem" (1965, p. 174.)