8 de março de 2012

Visão de uma grande mulher

Visão de Clarice Lispector
Clarice,
veio de um mistério, partiu para outro.

Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
era Clarice viajando nele.

Era Clarice bulindo no fundo mais fundo,
onde a palavra parece encontrar
sua razão de ser, e retratar o homem.

O que Clarice disse, o que Clarice
viveu por nós em forma de história
em forma de sonho de história
em forma de sonho de sonho de história
(no meio havia uma barata
ou um anjo?)
não sabemos repetir nem inventar.
São coisas, são jóias particulares de Clarice
que usamos de empréstimo, ela dona de tudo.

Clarice não foi um lugar-comum,
carteira de identidade, retrato.
De Chirico a pintou? Pois sim.

O mais puro retrato de Clarice
só se pode encontrá-lo atrás da nuvem
que o avião cortou, não se percebe mais.

De Clarice guardamos gestos. Gestos,
tentativas de Clarice sair de Clarice
para ser igual a nós todos
em cortesia, cuidados, providências.
Clarice não saiu, mesmo sorrindo.
Dentro dela
o que havia de salões, escadarias,
tetos fosforescentes, longas estepes,
zimbórios, pontes do Recife em bruma envoltas,
formava um país, o país onde Clarice
vivia, só e ardente, construindo fábulas.

Não podíamos reter Clarice em nosso chão
salpicado de compromissos. Os papéis,
os cumprimentos falavam em agora,
edições, possíveis coquetéis
à beira do abismo.
Levitando acima do abismo Clarice riscava
um sulco rubro e cinza no ar e fascinava.

Fascinava-nos, apenas.
Deixamos para compreendê-la mais tarde.
Mais tarde, um dia... saberemos amar Clarice.
 (Carlos Drummond de Andrade)

20 de fevereiro de 2012

Clarice Lispector - minha inspiração

Aproveito o feriado de carnaval para pôr em dia as minhas leituras e, entre essas, está a biografia de Clarice Lispector "Clarice," de Benjamin Moser. O desejo de ler o livro que conta a vida dessa autora tão enigmática, veio de um desejo incessante de ler cada vez mais suas obras, entre as quais destaco: "Perto de um coração selvagem", seu primeiro romance; "A paixão segundo G.H"; "Laços de Família"; "A via-crucis do corpo", seu livro mais profundo (na minha opinião); "A descoberta do mundo" (crônicas), e tantos outros textos que lemos aqui e acolá.  Não sei se é por afinidade (sentimentos mais secretos da minha alma feminina), não sei se é  admiração por sua forma de escrever tão introspectiva e intensa, mas a única certeza que tenho é que não quero parar por aqui...


Aproveitem o aperitivo e apreciem o conto:

RESTOS DO CARNAVAL

Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas-feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu. (...)
http://claricelispector.blogspot.com/2007/12/restos-do-carnaval.html