27 de setembro de 2013

A leitura compartilhada

"...a leitura compartilhada é a base da formação de leitores.”
                                                                   (Tereza Colomer)
Por que é tão importante compartilhar a leitura? Porque torna possível a troca de experiências com outras pessoas em benefício da construção de sentido, além de tratar de uma aprendizagem social e afetiva.
Na escola, a leitura sempre se relaciona com as atividades compartilhadas. Não se pode manter essa dimensão socializadora dentro dos limites de algo separado, quando se fala dos livros no ambiente escolar.
Crianças ou jovens que exploram juntos os livros, habituam-se depressa a perceber os jogos textuais, as linhas de sentido, as estruturas paralelas, as repetições etc. Conversar com eles sobre o que é lido é fundamental. Muitas atividades podem ser desenvolvidas após uma discussão seguida à leitura compartilhada. Pode-se discutir sobre a história, o ritmo, as personagens, a percepção do objeto-livro (capa, encadernação, paginação, ilustração, formato) etc. Essas atividades ajudam na compreensão da leitura e proporciona uma aprendizagem rica, ou seja, cada um tem a oportunidade ver a forma em que operam os outros no entendimento do texto.
"Para a escola, as atividades compartilhadas são as que melhor respondem a esse antigo objetivo de 'formar o gosto' a que aludimos; porque comparar a leitura individual com a realizada por outros é o instrumento por excelência para construir o etinerário entre a recepção individual das obras e sua valorização social." (COLOMER, 2007)
O professor que provoca uma discussão, por exemplo, no início de um capítulo, está criando um espaço de leitura compartilhada em classe. Desde modo, dá oportunidade à apreciação com os demais e a construção de um sentido entre todos os alunos leitores.
O livro a ser compartilhado deve ser aquele que ofereça alguma dificuldade ao leitor. Se não há um significado que requeira um esforço de construção, não se pode negociar um sentido. Encontrar ambiguidades interessantes encaminha o leitor a buscar indícios, reler passagens e discutir possíveis interpretações.
A escola é o contexto de relação onde se constrói essa ponte. Não se pode deixar de dar aos alunos a oportunidade de atravessá-la.
Bibliografia:
COLOMER, Tereza. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007.
 

21 de setembro de 2013

Veríssimo

Luís Fernando Veríssimo é cronista, contista, romancista e quadrinista. Nasceu em 26 de setembro de 1936, em Porto Alegre. Iniciou seus estudos em sua cidade natal e continuou nos Estados Unidos. 

A primeira experiência literária foram as cartas ao pai, o escritor Érico Veríssimo, contando suas dificuldades quando mudou para o Rio de Janeiro.
Quando voltou a Porto Alegre, Veríssimo foi trabalhar no jornal Zero Hora.
Em 1975 publicou a coletânea "A grande mulher nua".
Um dos sonhos do escritor era ser desenhista profissional, mas ele nunca levou isso muito a sério. Mesmo assim, produziu tirinhas diárias para os jornais. Assim nasceram  "As cobras", "Ed Mort" e "Família Brasil".
Veríssimo diz que aprendeu sozinho tudo que é verdadeiramente útil na sua profissão de escritor.
É considerado um dos melhores escritores da literatura brasileira.
 
Para saber mais sobre Veríssimo, acesse:

Uma crônica de aperitivo:

                                    COMUNICAÇÃO

É importante saber o nome das coisas. Ou, pelo menos, saber comunicar o que você quer. Imagine-se entrando numa loja para comprar um... um... como é mesmo o nome?
"Posso ajudá-lo, cavalheiro?"
"Pode. Eu quero um daqueles, daqueles..."
"Pois não?"
"Um... como é mesmo o nome?"
"Sim?"
"Pomba! Um... um... Que cabeça a minha. A palavra me escapou por completo. É uma coisa simples, conhecidíssima."
"Sim senhor."
"O senhor vai dar risada quando souber."
"Sim senhor."
"Olha, é pontuda, certo?"
"O quê, cavalheiro?"
"Isso que eu quero. Tem uma ponta assim, entende? Depois vem assim, assim, faz uma volta, aí vem reto de novo, e na outra ponta tem uma espécie de encaixe, entende? Na ponta tem outra volta, só que está e mais fechada. E tem um, um... Uma espécie de, como é que se diz? De sulco. Um sulco onde encaixa a outra ponta, a pontuda, de sorte que o, a, o negócio, entende, fica fechado. É isso. Uma coisa pontuda que fecha. Entende?"
"Infelizmente, cavalheiro..."
"Ora, você sabe do que eu estou falando."
"Estou me esforçando, mas..."
"Escuta. Acho que não podia ser mais claro. Pontudo numa ponta, certo?"
"Se o senhor diz, cavalheiro."
"Como, se eu digo? Isso já é má vontade. Eu sei que é pontudo numa ponta. Posso não saber o nome da coisa, isso é um detalhe. Mas sei exatamente o que eu quero."
"Sim senhor. Pontudo numa ponta."
"Isso. Eu sabia que você compreenderia. Tem?"
"Bom, eu preciso saber mais sobre o, a, essa coisa. Tente descrevê-la outra vez. Quem sabe o senhor desenha para nós?"
"Não. Eu não sei desenhar nem casinha com fumaça saindo da chaminé. Sou uma negação em desenho."
"Sinto muito."
"Não precisa sentir. Sou técnico em contabilidade, estou muito bem de vida. Não sou um débil mental. Não sei desenhar, só isso. E hoje, por acaso, me esqueci do nome desse raio. Mas fora isso, tudo bem. O desenho não me faz falta. Lido com números. Tenho algum problema com os números mais complicados, claro. O oito, por exemplo. Tenho que fazer um rascunho antes. Mas não sou um débil mental, como você está pensando."
"Eu não estou pensando nada, cavalheiro."
"Chame o gerente."
"Não será preciso, cavalheiro. Tenho certeza de que chegaremos a um acordo. Essa coisa que o senhor quer, é feito do quê?"
"É de, sei lá. De metal."
"Muito bem. De metal. Ela se move?"
"Bem... É mais ou menos assim. Presta atenção nas minhas mãos. É assim, assim, dobra aqui e encaixa na ponta, assim."
"Tem mais de uma peça? Já vem montado?"
"É inteiriço. Tenho quase certeza de que é inteiriço."
"Francamente..."
"Mas é simples! Uma coisa simples. Olha: assim, assim, uma volta aqui, vem vindo, vem vindo, outra volta e clique, encaixa."
"Ah, tem clique. É elétrico."
"Não! Clique, que eu digo, é o barulho de encaixar."
"Já sei!"
"Ótimo!"
"O senhor quer uma antena externa de televisão."
"Não! Escuta aqui. Vamos tentar de novo..."
"Tentemos por outro lado. Para o que serve?"
"Serve assim para prender. Entende? Uma coisa pontuda que prende. Você enfia a ponta pontuda por aqui, encaixa a ponta no sulco e prende as duas partes de uma coisa."
"Certo. Esse instrumentos que o senhor procura funciona mais ou menos como um gigantesco alfinete de segurança e..."
"Mas é isso! É isso! Um alfinete de segurança!"
"Mas do jeito que o senhor descrevia parecia uma coisa enorme, cavalheiro!"
"É que eu sou meio expansivo. Me vê aí um... um... Como é mesmo o nome?


(VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comunicação. In: PARA gostar de ler, v.7. 18.ed. São Paulo: Ática, 2022. p. 28-30 )

   
                                                              *************
Atualmente, escreve para algumas revistas e jornais, como O Globo e Estadão.
 
 "Você eu não sei, mas eu estou preocupadíssimo com a revelação de que os americanos têm monitorado tudo que é dito e escrito no Brasil nos últimos anos. Ouvem nossos telefonemas, leem nossos e-mails e, provavelmente, examinem o nosso lixo, atrás de indícios da nossa periculosidade (...)"
 
Outras crônicas de Veríssimo no Estadão, acesse:
 
                             
                                 *As cobras
 

7 de setembro de 2013

Ferreira Gullar - a poética da resistência

O poeta Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira, nasceu em 10 de setembro de 1930, na cidade de São Luiz, Maranhão.
É, também, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta.
Participou no Rio de Janeiro do movimento da poesia concreta.
Foi um dos fundadores do neoconcretismo, movimento artístico-literário, surgido como uma forma de reagir aos excessos trazidos pelo concretismo. Enquanto o concretismo era extremamente racional, o neoconcretismo trouxe a subjetividade de volta ao processo de criação artística.
Em 1960, Ferreira Gullar abandonou, também, o neoconcretismo por concluir que o movimento levaria ao abandono do vínculo entre a palavra e a poesia. Assim, passou a produzir uma poesia engajada e envolveu-se com os Centros Populares de Cultura.
Ganhou vários prêmios literários, entre eles, o Prêmio Jabuti, em outubro de 2011, com o livro de poesia "Em Alguma Parte Alguma", considerado "o Livro do Ano" de ficção.

  
Agosto 1964
Entre lojas de flores e de sapatos, bares
mercados, butiques.
viajo
num ônibus Estrada de Ferro-Leblon.
Volto do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.

O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.

Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato

um poema
uma bandeira
      *****
Para saber mais sobre a biografia do autor, acesse:
http://www.releituras.com/fgullar_bio.asp

                                   
"Poema Sujo", escrito no exílio,
em Buenos Aires.


"Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem."
                                                                       (Ferreira Gullar)

22 de agosto de 2013

Dia do Folclore

Folclore é o conjunto de tradições, conhecimentos ou crenças de um povo, expressos por suas lendas, canções e costumes.
A palavra folclore é derivada das palavras em inglês: "folk" (povo) e "lore" (conhecimento). O termo foi criado por um pesquisador europeu William John Thoms (1803-1885), em 1846, ao publicar um artigo intitulado "Folk-lore".
No Brasil, o Dia do Folclore  é comemorado em  22 de agosto.  A data foi criada em 1965 por decreto federal. Em São Paulo, um decreto estadual instituiu agosto como o mês do folclore.
Os elementos folclóricos são transmitidos de geração a geração. São manifestações populares como festas, danças, superstições, crenças, contos populares, provérbios, adivinhações, artigos de artesanatos, cantigas, brincadeiras infantis, alimentos, dentre várias outras. Pode variar de região para região, de grupo social e etnia.
Conhecer o folclore de um país, é conhecer o seu povo. Mas para que um costume seja considerado folclore, segundo estudiosos, é preciso que este seja praticado por um grande número de pessoas  e que tenha origem anônima.
 
Monteiro Lobato, Câmara Cascudo, Herberto Sales, Ricardo Azevedo são alguns exemplos de autores que enriquecem a nossa literatura com o tema do folclore.

A seguir, algumas sugestões de livros:
O Boto - Coleção Histórias do Rio Moju. Abramovich, Fanny. Ed.: FTD
Meu Livro de Folclore. Azevedo, Ricardo. Ed.: Ática.
Armazém do Folclore. Azevedo, Ricardo. Ed.: Ática.
Antologia do Folclore Brasileiro - volumes 1 e 2. Cascudo, Luis da Câmara. Ed.: Global.
O Lobisomem - Contos Folclóricos. Sales, Herberto. Ed.: Ediouro.

Histórias de Tia Anastácia. Lobato, Monteiro. Ed. Globo. 
 
Um conto de aperitivo:
 
Um encontro fantástico (João Anzanello Carrascoza)
Todos os anos eles se reuniam na floresta, à beira de um rio, para ver a quantas andava a sua fama. Eram criaturas fantásticas e cada uma vinha de um canto do Brasil. O Saci-Pererê chegou primeiro. Moleque pretinho, de uma perna só, barrete vermelho na cabeça, veio manquitolando, sentou-se numa pedra e acendeu seu cachimbo. Logo apontou no céu a Serpente Emplumada e aterrissou aos seus pés. Do meio das folhagens, saltou o Lobisomem, a cara toda peluda, os dentes afiados, enormes. Não tardou, o tropel de um cavalo anunciou o Negrinho do Pastoreio montado em pêlo no seu baio.
- Só falta o Boto - disse o Saci, impaciente.
- Se tivesse alguma moça aqui, ele já teria chegado para seduzi-la - comentou a Serpente Emplumada.
- Também acho - concordou o Lobisomem. - Só que eu já a teria apavorado.
Ouviram nesse instante um rumor à margem do rio. Era o Boto saindo das águas na forma de um belo rapaz.
- Agora estamos todos - disse o Negrinho do Pastoreio.
- E então? - perguntou o Boto, saudando o grupo. - Como estão as coisas?
- Difíceis - respondeu o Saci e soltou uma baforada. - Não assustei muita gente nesta temporada.
- Eu também não - emendou a Serpente Emplumada. - Parece que as pessoas lá no Nordeste não têm mais tanto medo de mim.
- Lá no Norte se dá o mesmo - disse o Boto. - Em alguns locais, ainda atraio as mulheres, mas em outros elas nem ligam.
- Comigo acontece igual - disse o Negrinho do Pastoreio. - Vivo a achar coisas que as pessoas perdem no Sul. Mas não atendi muitos pedidos este ano.
- Seu caso é diferente - disse o Lobisomem. - Você não é assustador como eu, o Saci e a Serpente Emplumada. Você é um herói.
- Mas a dificuldade é a mesma - discordou o Negrinho do Pastoreio.
- Acho que é a concorrência - disse o Boto. - Andam aparecendo muitos heróis e vilões novos.
- Pois é - resmungou a Serpente Emplumada. - Até bruxas andam importando. Tem monstros demais por aí...
- São todos produzidos por homens de negócios - disse o Saci. - É moda. Vai passar...
- Espero - disse o Lobisomem. - Bons aqueles tempos em que eu reinava no país inteiro, não só no cerrado.
- A diferença é que somos autênticos - disse o Negrinho do Pastoreio. - Nós nascemos do povo.
- É verdade - disse o Boto. - Mas temos de refrescar a sua memória.
- Se pegarmos no pé de uns escritores, a coisa pode melhorar - disse a Serpente Emplumada.
- Eu conheço um - disse o Saci. - Vamos juntos atrás dele! - E foi o primeiro a se mandar, a mil por hora, em uma perna só.
 
(Fonte: Revista Nova Escola)
 
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