28 de fevereiro de 2024

Gatos na Literatura

Inspirada no Dia Mundial dos Gatos, celebrado em 17 de fevereiro, pensei em todos os gatos (e são muitos) que habitam no universo da literatura. Entre alguns "famosos" estão: o gato Plutão, do conto "O Gato Preto", de Edgar Allan Poe; "O Gato de Botas", de Charles Perrault; o gato Cheshire, do clássico "Alice no País das Maravilhas", de Lewis Carroll; o gato Bichento, da personagem Herminione, da Saga "Harry Potter"; Garfield, de Jim Davis entre outros...

Muitos escritores e poetas já se inspiraram em gatos para compor suas obras, como Charles Baudelaire, Pablo Neruda, Jorge Amado, Ferreira Gullar, Mia Couto  -  esses que lembrei, mas há muito mais.

Segundo alguns escritores, os gatos são introspectivos e amigos do silêncio, por isso facilitam o processo de criação por conta de seu olhar profundo e modos discretos. 

Selecionei alguns poemas com o tema para vocês também se inspirarem:

Ode ao gato (Pablo Neruda)

Os animais foram
imperfeitos,
compridos  de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, vôo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.

Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa só
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa
de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogara as moedas da noite

Oh pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na imterpérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundissimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insignia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertence
ao habitante menos misterioso,
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gatos, companheiros,
colegas,
díscipulos ou amigos
do seu gato.

Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalcullável,
a botânica,
o gineceu com os seus extrávios,
o pôr e o mesnos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos tem números de ouro.

(Navegaciones y Regresos, 1959)

🐱🐾


O gato tranquilo (Cassiano Ricardo)


Ei-lo, quieto, a cismar, como em grave sigilo,

vendo tudo através a cor verde dos olhos,
onça que não cresceu, hoje é um gato tranquilo.
A sua vida é um "manso lago", sem escolhos...

Não ama a lua, nem telhado a velho estilo.
De uma rica almofada entre os suaves refolhos,
prefere ronronar, em gracioso cochilo,
vendo tudo através a cor verde dos olhos.

Poderia ser mau, fosforescente espanto,
pequenino terror dos pássaros; no entanto,
se fez um professor de silêncio e virtude.

Gato que sonha assim, se algum dia o entenderdes,
vereis quanto é feliz uma alma que se ilude,
e olha a vida através a cor de uns olhos verdes.

 🐱🐾                     

 

Gato ao crepúsculo (Millôr Fernandes)

Poeminha de louvor ao pior inimigo do cão

 

Gato manso, branco,

Vadia pela casa,
Sensual, silencioso, sem função.

Gato raro, amarelado,
Feroz se o irritam,
Suficiente na caça à alimentação.

Gato preto, pressago,
Surgindo inesperado
Das esquinas da superstição.

Cai o sol sobre o mar.

E nas sombras de mais uma noite,
Enquanto no céu os aviões
Acendem experimentalmente suas luzes verde-vermelho-verde,
Terminam as diferenças raciais.

Da janela da tarde olho os banhistas tardos
Enquanto, junto ao muro do quintal,
Os gatos todos vão ficando pardos.

 🐱🐾


Poemas para os gatos (Artur da Távola)

 

Silêncio,
eis a tarefa
de todos os gatos.
Poucos sabem perscrutar
(talvez ninguém em plenitude)
o grau de solidão necessária
ao saber auto suficiente
para ser felino e doméstico
em sua tarefa de monge
guardião do inextricável
em quem o homem não percebe
a metafísica natural,
recolhimento
saber
sensualidade
e aceitação.

              
                                                  

15 de fevereiro de 2024

Letra de samba é poesia?

A poesia do nosso poeta da música brasileira, Martinho da Vila. E vocês, concordam que a poesia pode estar em tudo, até em uma letra de samba?

🎭🎉🎊

Para tudo se acabar na quarta-feira


A grande paixão, que foi inspiração
Do poeta é o enredo
Que emociona a velha guarda
Lá na comissão de frente como a diretoria

Glória a quem trabalha o ano inteiro em mutirão
São escultores, são pintores, bordadeiras
São carpinteiros, vidraceiros, costureiras
Figurinistas, desenhista e artesão
Gente empenhada em construir a ilusão

E que tem sonhos...
E que tem sonhos como a velha baiana
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor do mestre sala
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor de um mestre sala

O sambista é um artista
E o nosso Tom é o director de harmonia
Os foliões são embalados
Pelo pessoal da bateria
Sonho de rei, de pirata e jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira

Mas a quaresma lá no morro é colorida
Com fantasias já usadas na avenida
Que são cortinas e são bandeiras
Razão pra vida tão real da quarta-feira
É por isso que eu canto...

A grande paixão, que foi inspiração
Do poeta é o enredo
Que emociona a velha guarda
Lá na comissão de frente, como a diretoria

Glória a quem trabalha o ano inteiro em mutirão
São escultores, são pintores, bordadeiras
São carpinteiros, vidraceiros, costureiras
Figurinistas, desenhista e artesão
Gente empenhada em construir a ilusão

E que tem sonhos...
E que tem sonhos como a velha baiana
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor do mestre sala
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor do mestre sala

E o sambista...
O sambista é um artista
E o nosso Tom é o director de harmonia
Os foliões são embalados
Pelo pessoal da bateria
Sonho de rei, de pirata e jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira

Mas a quaresma lá no morro é colorida
Com fantasias já usadas na avenida
Que são cortinas e são bandeiras
Razão pra vida tão real da quarta-feira
É por isso que eu canto...

A grande paixão, que foi inspiração
Do poeta é o enredo
Que emociona a velha guarda
Lá na comissão de frente como a diretoria

Glória a quem trabalha o ano inteiro em mutirão
São escultores, são pintores, bordadeiras
São carpinteiros, vidraceiros, costureiras
Figurinistas, desenhista e artesão
Gente empenhada em construir a ilusão

E que tem sonhos...
E que tem sonhos como a velha baiana
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor de um mestre sala
Que foi passista, brincou em ala
Dizem que foi o grande amor do mestre sala

Todos os concorrentes são importantes numa escola de samba
Destaques, empurradores, principalmente a ala de compositores
Dulcinéia e Peti, nossas primeiras baianas
Raquel Amaral, Jandira e Angelica
Empunharam nossa bandeira

Composição de 1997, de Martinho Jose Ferreira.



8 de fevereiro de 2024

Poesia (autoral) de Carnaval

Como Serpentina

Virei Serpentina

Enrosquei na fantasia

Brinquei feito menina

Fui meio bailarina

Rodopiei rodopiei

Cai e levantei poeira

Esqueci da quarta-feira

Para me desmanchar na avenida...


🎭Autoria de Sandra Coimbra, criadora deste blog e poetisa nas horas livres e inspiradas.


Poesias de Carnaval

Que tal cair na folia dos versos às vésperas do carnaval? Entrem nesse cordão com alguns dos escritores da nossa literatura:

🎭🎭🎭

Bacanal, de Manuel Bandeira (Do livro “Carnaval” de 1919).

Quero beber! cantar asneiras

No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco…
Evoé Baco!

Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada,
A gargalhar em doudo assomo…
Evoé Momo!

Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos…
Evoé Vênus!

Se perguntarem: Que mais queres,
Além de versos e mulheres?…
– Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!…
Evoé Baco!

O alfange rútilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que eu não domo!…
Evoé Momo!

A Lira etérea, a grande Lira!…
Por que eu extático desfira
Em seu louvor versos obscenos,
Evoé Vênus!

🎭

Um homem e o seu carnaval, de Carlos Drummond de Andrade (Do livro "Brejo das Almas" de 1934).

 

Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido.
Sem olhos, sem boca
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.

O pandeiro bate
é dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.
Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando os corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.

Deus me abandonou
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter
curvas curvas curvas
bandeiras de préstitos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente.

🎭

Soneto de Carnaval, de Vinícius de Moraes

 

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado é uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.

 🎭

Carnaval, de Cecília Meireles

Com os teus dedos feitos de tempo silencioso,
Modela a minha mascara, modela-a…
E veste-me essas roupas encantadas
Com que tu mesmo te escondes, ó oculto!

Põe nos meus lábios essa voz
Que só constrói perguntas,
E, à aparência com que me encobrires,
Dá um nome rápido, que se possa logo esquecer…

Eu irei pelas tuas ruas,
Cantando e dançando…
E lá, onde ninguém se reconhece,
Ninguém saberá quem sou,
À luz do teu Carnaval…

Modela a minha máscara!
Veste-me essas roupas!

Mas deixa na minha voz a eternidade
Dos teus dedos de silencioso tempo…
Mas deixa nas minhas roupas a saudade da tua forma…
E põe na minha dança o teu ritmo,
Para me conduzir…

 🎭

Aula de carnaval, de Ricardo Azevedo, do livro "Aula de Carnaval e Outros Poemas".

 

Na aula de carnaval

A ordem é ter alegria

A norma é rir todo dia

A regra é festa e folia

 Na aula de carnaval

Não tem palco nem plateia

Todo mundo brinca junto

Que ser brincante é a ideia

Na aula de carnaval

O nobre vira mendigo

O pobre nada em dinheiro

Rico e pobre é tudo amigo

Na aula de carnaval

Homem usa sutiã

Mulher tem bigode e barba

Criança vira anciã

 Na aula de carnaval

Marmanjo chupa chupeta

Sai de fralda e mamadeira

Com gravata borboleta

Na aula de carnaval

O velho vira criança

 Menino sai de bengala

Dentadura e aliança

Na aula de carnaval

A invenção é um estudo

Criação vira exercício

Improviso é quase tudo

 Na aula de carnaval

 Idade fica de lado

 Tanto faz ser velho ou moço

O que importa é o rebolado

Na aula de carnaval

Quem está por cima desce

Quem está por baixo cresce

Quem está de fora aparece

Na aula de carnaval

Qualquer um é sempre o tal

Cada qual tem seu espaço

Todo mundo é o maioral

Na aula de carnaval

Esperança é sempre à beça

Fim do mundo?

Isso é conversa!

Tudo acaba e recomeça

Na aula de carnaval

 A folia é uma pesquisa

A fantasia é uma prova

E a alegria organiza

Na aula de carnaval

Ninguém vive numa ilha

Toda gente é como irmão

E o mundo vira família

Na aula de carnaval

A poesia é coisa séria

Liberdade é documento

E o sonho é sempre matéria

🎭