Hoje, 18 de abril, é comemorado o Dia Nacional do Livro Infantil. A data foi escolhida por ser o dia do nascimento do escritor Monteiro Lobato.
Na quinta-feira passada, fiz uma homenagem ao autor em meu programa Café com Literatura que está disponível no Canal da Rádio Luz Radionica, no YouTube. Para presentear os meus leitores, disponibilizei aqui também o vídeo do programa. Há uma playlist disponível com todos os programas para vocês acessarem e se deliciarem com essa oportunidade de encantamento literário.
Neste 7º programa, além da vida e obra de Monteiro Lobato, leio uma fábula que vai dar o que falar... Viajem comigo nessa aventura!
E não é por acaso que escolhi Leminski para brindar este dia especial que é o domingo de Páscoa. Ele que foi um autor que revitalizou a nossa poesia contemporânea com leveza, inteligência, sensibilidade, emoção, a vanguarda e o pop. Um dos autores que ainda continua a influenciar poetas e letristas das novas gerações.
Quando estava pesquisando um poema para o dia de hoje, achei este de Leminski. A primeira vista parece tão ingênuo, mas se lermos mais de uma vez, podemos perceber o tom da crítica nas entrelinhas e nos rendemos a sua genialidade como poeta.
Páscoa é renovação, revelação, renascimento. Que a poesia, assim como a vida, seja sempre renovada e celebrada!
No 3º programa "Café com Literatura" do mês de março, que homenageei as escritoras brasileiras, por ser o mês das mulheres, foi a vez da autora premiada Marina Colasanti. Como não se encantar com essa narrativa cheia de sutilezas e uma boa dose de magia?
A moça tecelã
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando
atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara,
para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre
os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o
horizonte.
Depois lãs
mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca
acabava.
Se era forte
demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira
grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra
trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava
sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante
muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros,
bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a
acalmar a natureza.
Assim,
jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear
para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe
faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de
escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido.
Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à
noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.
Tecer era
tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo
e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira
vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou
o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida,
começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos
poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo
aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o
último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou
abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi
entrando em sua vida.
Aquela
noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para
aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi,
durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os
esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a
não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa
melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que
eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios
verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a
casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter
palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse
de pedra com arremates em prata.
Dias e dias,
semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e
salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A
noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e
entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da
lançadeira.
Afinal o
palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear
o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que
ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave,
advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso
tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres
de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era
tudo o que queria fazer.
E tecendo,
ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio
com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom
estar sozinha de novo.
Só esperou
anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências.
E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao
tear.
Desta vez
não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e
jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido.
Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois
desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente
se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite
acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou
em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro
dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido,
o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então, como
se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi
passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na
linha do horizonte.
Vou compartilhar com vocês alguns textos do meu programa, exclusivo da Radio Luz Radionica, o "Café com Literatura".
A narrativa a seguir fez parte do 2º programa. É uma crônica da escritora e poeta Cecília Meireles que foi extraída do livro "Escolha o seu Sonho", da Editora Global.
A arte de ser feliz
Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava história. Eu não a podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que ouvisse, não entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu que não participava do auditório imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela se abria para uma cidade que parecida feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e, em silêncio ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos: que sempre parecem personagens de Lope da Vega. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outras dizem que essas coisas só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.